domingo, 19 de outubro de 2014

Próximo Cabalat Shabat em 24 de outubro de 2014, às 19h15min!


Mais um Cabalat Shabat especial, com o Chazan Beto Barzilay, os jovens chazanim Bianca Lederfeind, Gabriel Kalman e Matheus Ajzenberg, e prédica da Morá Miriam Markus.



PARASHÁ DA SEMANA: Noach / 5775

 
Noach é qualificado pela Torá como um "homem justo, perfeito nas suas gerações" e concluiu-se que as qualidades de um homem são sua verdadeira descendência, mais do que seus próprios filhos. Rashi explica que esta frase inicial da parashá pode ser interpretada como um elogio a Noach, pois se destacou na sua geração e assim também o seria em qualquer outra geração. Mas, continua nosso Sábio, também existem interpretações críticas, de que se Noach tivesse nascido na geração de Avraham, não seria um justo.

O texto bíblico continua relatando o arrependimento de Deus com suas criações terrestres, que seguiram caminhos abomináveis para Ele. Verifica-se que Ele perdeu o controle destes seres e, em sua insatisfação, decide destruí-los e, numa nova tentativa, reiniciar o processo de vida a partir da seleção dos melhores elementos, buscando aperfeiçoar os seres que viviam na terra.

Por que os seres que viviam na parte seca da Terra foram castigados, se a única lei que Deus havia estipulado até então era para o ser humano não comer os frutos proibidos, não havendo nenhuma regra explícita sobre a 'corrupção'? O Rabino Michel Schlesinger explicou que existem normas que são inerentes a toda a criação, que todo ser vivo conhece, chamadas de Direito Natural, e estas foram descumpridas pelos seres que não sobreviveram ao dilúvio.

Para reforçar e esclarecer estas normas, após o dilúvio, inicia-se a interação de Deus com a humanidade, começam a se desenvolver formas de comunicação, a ser aperfeiçoada uma forma pedagógica Dele ensinar a humanidade sobre Seus caminhos. Também surge a consciência de que os erros são importantes como meio de aprendizado e evolução, permitindo a própria continuidade da criação divina.

Deus então constata que os erros são etapas importantes no processo de criação - que não está completo - são passos necessários para a sequência da vida, então não é necessário destruir a criação se, ao início, ela se mostra imperfeita. Ele também erra e aprende, a mística judaica explica que também Ele cresce. Assim, cada vez que cumprimos uma mitzvá, um mandamento, estamos aperfeiçoando o Universo e o próprio Deus.

Esta interpretação teológica inevitavelmente leva ao questionamento sobre até que ponto Deus está no comando do Universo, sobre sua infalibilidade e completa perfeição. O Rabino Michel Schlesinger lembrou que a análise teológica do conceito de Deus contém inúmeras interpretações, num amplo espectro que tem nas suas extremidades, por um lado, a noção de que Deus é perfeito, onipotente e onipresente; e, por outro lado, que Ele não existe, configurando-se o ateísmo.

O Deus que encontramos na Torá, no entanto, não se adequa a nenhuma das visões extremistas. É um Deus que se surpreende com suas criaturas, às vezes positivamente, às vezes negativamente, e que também passa por processos. Se por um lado Ele sabe de tudo, quem decide o que fazer é o homem, e Ele não pode fazer nada para impedir que sua criatura aja contra Seus desígnios.

Assim, na Torá vemos Deus interferindo nos rumos da humanidade apenas quando se esgotam totalmente as possibilidades humanas de assumir as próprias responsabilidades (físicas, morais, sociais ....) por seus atos, quando o homem se torna incapaz de arcar com as consequências de seus caminhos e de corrigir seu rumo. Quando há um esgotamento moral da criação, Deus surge e interfere ativamente na história humana. Por isso, no texto da Torá, quanto mais o ser humano evolui espiritualmente e moralmente, cada vez são necessárias menos aparições explícitas de Deus.

O dilúvio relata a destruição de seres que não eram mais humanos, que haviam perdido sua essência divina, tendo se tornado animais, pois não sabiam limitar a si mesmos, controlar seus instintos. Os seres que pereceram no dilúvio não mais sabiam dizer 'não' a si mesmos, como Deus pode dizer a si próprio, como Ele fez quando prometeu não destruir novamente toda a vida terrestre de uma só vez, demonstrando acreditar na capacidade humana de superação.

Em seguida, após serem nomeados os descendentes de Noach, a Torá descreve o caso da torre construída pelos habitantes de Bavel. Foi um projeto comum dos homens, que estavam em paz entre sí, contra Deus, para ganharem fama, se aproximarem Dele e se salvar de um possível novo dilúvio. Deus 'desce' à Terra para verificar o que estava acontecendo e constata que os homens buscavam se comparar a Ele com arrogância, não através da humildade.

Este novo momento de aproximação de Deus ocorre para Ele ter certeza do que estava acontecendo, conferir os fatos, antes de tomar uma decisão, e também nos ensina que para chegar perto de Deus não é preciso construir algo físico, concreto. O castigo pela incapacidade humana de compreender Deus foi a criação das diversas línguas, o que implicou também na incapacidade de os seres humanos se compreenderem uns aos outros.

O Rabino Michel Schlesinger explicou que, numa interpretação crítica bíblica, o relato da Torre de Bavel é um mito para justificar os diversos idiomas humanos. Já a história de Noach seria um mito para explicar a origem da humanidade. De qualquer forma, a mensagem da Torá é clara: o uso da tecnologia conforme as regras Divinas - como quando foi construída a arca -, permite a sobrevivência dos homens e da natureza; mas a utilização da tecnologia sem respeito a valores morais e éticos, de um modo até reverencial e idólatra - como na Torre de Bavel e como ocorre na atualidade -, a busca de desafiar Deus comparando-se a Ele através da inteligência humana, só impede que os seres humanos compreendam-se a si mesmos, dificultando a convivência pacífica e harmoniosa da humanidade.

A parashá termina com o importante relato da decisão de Terach em levar sua família, incluindo seu filho Avram, para Canaã. O Rabino Michel Schlesinger observou que, de certa maneira, foi Terach que iniciou o caminho que possibilitou Avram ir para a Terra Prometida. Este processo do nosso primeiro patriarca não foi uma mudança tão abrupta e radical como descrito em diversos midrashim.

Foi Terach quem iniciou o processo de evolução espiritual que permitiu Avram se afastar da idolatria às 'coisas' construídas pelos seres humanos. Terach, através da educação que deu a seu filho, permitiu que Avram desenvolvesse um olhar crítico, questionador, da sua realidade. O Rabino Michel Schlesinger terminou os estudos concluindo que este processo, descrito na Torá, é adequado ao que ocorre na vida, e em consonância com o próprio processo Divino de constante aperfeiçoamento do Mundo, em parceria com o ser humano.
 
Resumo do encontro do Grupo de Estudos da Parashá da Congregação Israelita Paulista de 14 de outubro de 2007.